Relato de Experiência de Engenharia Popular – Portal Comunitário da Cidade de Deus

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O contexto: O Portal Comunitário (www.cidadededeus.org.br) foi desenvolvido por uma equipe do Núcleo de Solidariedade Técnica (SOLTEC/UFRJ) junto com diversas organizações comunitárias da Cidade de Deus (CDD). O SOLTEC é um programa de extensão que desenvolve tecnologias para movimentos sociais. A CDD é uma favela do Rio de Janeiro com aproximadamente 40 mil moradores, originada a partir de remoções de outras favelas no ano de 1968. Ela ficou mundialmente famosa em 2002 com o filme Cidade de Deus, que junto trouxe um estigma de uma região muito violenta. Em reação ao filme, foi criado em 2003 o Comitê Comunitário da CDD que tinha como objetivo juntar todas as organizações comunitárias e militantes para discutir o território e pensar propostas de de mudança. Em 2007, durante as entrevistas que eu estava fazendo com organizações comunitárias da CDD, surgiu a demanda para desenvolver um portal web que congregasse todas as organizações da CDD.

O problema: A pesquisa da da dissertação diagnosticou que havia pouca integração entre as organizações da CDD e muita desconfiança entre elas. Além disso, o Comitê Comunitário estava esvaziado, pois muitas organizações reclamavam que nas reuniões debatia-se sobre muitas coisas, mas pouco se efetivava em ações concretas. Assim, uma das propostas na defesa da dissertação foi criar um portal comunitário como forma de integrar as diversas organizações.

O processo: Assim, após a defesa que contou com a participação de diversas dessas organizações, iniciou-se em junho de 2008 uma pesquisa-ação (THIOLLENT, 1994).

celso1Figura 1 – Primeira reunião

As reuniões aconteciam quase semanalmente, com a presença de quase vinte organizações, com discussões que se iniciaram a partir de questões mais macro (como qual o objetivo do portal, qual seu público-alvo, quem pode fazer parte etc.) e depois foram aprofundadas (qual seria a identidade visual do Portal, o que teria no menu, como seria a página de cada organização etc.). Assim que chegamos a algumas especificações mais objetivas, começamos a desenvolver o Portal e passamos por uma fase de apresentação de protótipos, melhorias e capacitação na ferramenta até lançamento, que ocorreu no dia 18 de abril de 2009.

celso2Figura 2 – Lançamento do Portal

Logo após o lançamento, intensificamos a assessoria em comunicação com uma equipe específica formada por estudantes de jornalismo, que culminou em um curso de Comunicação Comunitária em 2010. Esse curso resultou em um jornal comunitário, A Notícia Por Quem Vive, que se tornou uma organização integrante do Portal. Além disso, continuamos dando assessoria na ferramenta do Portal e durante 2012 e 2013 iniciamos o desenvolvimento de uma nova versão do Portal, a partir de uma demanda deles de ser mais interativo e conectado a redes sociais. Por fim, em 2014 encerramos nossa assessoria após um planejamento com eles de gestão de término.

Os resultados: As reuniões para a construção do Portal, para definição de pautas e matérias que iam para o ar e a gestão coletiva do recurso para pagar o servidor de hospedagem e domínio (cada organização dá 10 reais por mês) fez com que as organizações se conhecessem melhor, confiassem uma nas outras e com isso atuassem mais em conjunto para além do Portal. Desde 2009, elas concorreram para diversos editais conjuntamente, organizaram eventos e de forma coordenada exigiram do poder público suas responsabilidades. O Portal estar funcionando até o momento (8 anos depois) totalmente independente de nós também mostra que o processo conseguiu gerar autonomia. Além disso, o jornal comunitário ANPQV (que é considerado por eles “filho” do Portal) acabou tendo uma vida mais ativa que o Portal, e atualmente eles estão dando um curso de comunicação comunitária da favela para a favela, sem precisar da ajuda da universidade.

celso3Figura 3 – Encerramento do curso de comunicação comunitária

Por fim, nesse processo houve a formação e fortalecimento de algumas lideranças políticas no território.

A avaliação: É importante destacar que por ser uma pesquisa-ação, para além da ação que estaria mais associada a extensão, gerou-se também muito conhecimento acadêmico sobre essa experiência. Esse caso contribui para se pensar sobre uma outra Engenharia de Software possível, voltada para grupos populares. Além disso, no desenvolvimento da segunda versão do Portal trabalhou-se com o Design Participativo, uma técnica desenvolvida nos países escandinavos, que adaptamos para nossa realidade. Por fim, esse novo conhecimento além de ser publicado em textos acadêmicos serviu para formar novos engenheiros com essa perspectiva através da disciplina Software Livre e Metodologias Participativas oferecida a estudantes de engenharia eletrônica e ciência da computação na UFRJ.

Para saber mais:

ALVEAR, C. A. S. Tecnologia e participação: sistemas de informação e a construção de propostas coletivas para movimentos sociais e processos de desenvolvimento local. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2014.

SANTOS, M. T.; BARBOSA, A. N.; ALVEAR, C. A. S. O projeto de extensão Portal Comunitário da Cidade de Deus: Um balanço de seus cinco anos In: Extensão e políticas públicas: o agir integrado para o desenvolvimento social. Rio de Janeiro : Editora UFRJ, 2015, p. 311-328.

THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez. 1994.

Acesse:

Portal Comunitário da Cidade de Deus: http://www.cidadededeus.org.br/

Jornal A Notícia Por Quem Vive: http://www.cidadededeus.org.br/jornal-anpqv/quem-somos