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O contexto: A experiência de engenharia popular foi realizada por uma equipe de trabalho da Incubadora de Cooperativas Populares (ITCP) da Unicamp. A equipe, formada por estudantes de diversos cursos, inclusive uma engenheira, acompanhava diversas cooperativas de catadores de materiais recicláveis, em um processo de incubação. Em uma cooperativa, durante um processo de diagnóstico e planejamento coletivo, nos deparamos com um problema ainda pouco discutido pela engenharia: as relações de gênero. Já havia, por parte da equipe, a clareza da necessidade de problematizar as desigualdades de gênero existentes no processo de trabalho. Mas além da participação desigual de homens e mulheres no mercado de trabalho, ficou evidente essa desigualdade nos processos de construção/ uso/ adequação/ transformação da tecnologia. Diante desse tema gerador, a ITCP buscou construir caminhos para o enfrentamento das desigualdades de gênero presentes no processo de trabalho em uma cooperativa de coleta e triagem de materiais recicláveis.
O problema: A ITCP realizou uma oficina de diagnóstico e planejamento coletivo. Nela, os/as cooperados/as deveriam enumerar problemas e depois, coletivamente, priorizá-los.
Figura 1 – Planejamento Coletivo
Nessa atividade, uma cooperada disse “O problema desta cooperativa é o problema dos homens. Eles estão desanimados. Vocês precisam fazer alguma coisa, precisam conversar com eles, eles estão prejudicando toda a cooperativa.” A partir da colocação da cooperada e da repercussão que a mesma teve dentro da cooperativa, fizemos uma oficina com objetivo de evidenciar a divisão sexual do trabalho.
O processo: O processo de incubação realizado teve como fundamento a Educação Popular. Além da construção de uma relação dialógica entre extensionistas e trabalhadores/as para a transformação da realidade (FREIRE, 1973; 1983), tivemos a preocupação de criar espaços para a expressão do saber popular (GARCIA, 1984) e de criar nossa própria metodologia de planejamento/ intervenção/ avaliação (ITCP/UNICAMP, 2009). A partir dessas inspirações, foi realizada uma oficina que, além de uma problematização inicial sobre as relações de gênero, consistiu na elaboração coletiva do fluxograma simplificado da cooperativa e a marcação, junto com os/as cooperados/as, em que etapas trabalhavam os homens e as mulheres.
O fluxograma mostra as tarefas realizadas por mulheres (recepção e triagem) e as tarefas realizadas por homens (prensagem, armazenamento e todo o trabalho de movimentação de carga, indicado no fluxograma pelas flechas). Após a constatação e descrição da divisão sexual do trabalho, tornou-se um objetivo comum reorganizar o processo produtivo de forma que todos pudessem realizar todas as tarefas.
Os resultados: No processo de incubação, realizamos algumas atividades para discutir o que poderia ser alterado em cada etapa do trabalho. Ficou evidente que o trabalho tido como ‘pesado’ e ‘masculino’ era também inadequado para os homens. A partir dessas discussões, foram sugeridas alterações do processo de trabalho como:
1) Redução do peso e padronização dos fardos de material reciclável prensado;
2) Rotatividade das tarefas;
3) Treinamento das mulheres para a operação da empilhadeira e da prensa;
4) Adaptação de instrumentos utilizados para facilitar o transporte de carga (por exemplo, o corte de bombonas para transportar os materiais da área de triagem para a área de prensagem);
5) Readequação do layout da cooperativa.
O trabalho de adaptação do processo de trabalho e das ferramentas utilizadas continuou, mesmo sem a participação da ITCP.
A avaliação: O processo foi muito bem avaliado pela ITCP e pela cooperativa. Dele decorreu uma melhor sistematização da metodologia de incubação. Tornou-se evidente a necessidade da engenharia para a atuação interdisciplinar da extensão em grupos produtivos. Decorreu também a possibilidade de discutir e agir nas desigualdade de gênero e, especificamente, na divisão sexual do trabalho. Por muito tempo, especialmente as cooperadas comentavam com a gente como aquele processo tinha sido importante e como
continuaram o processo de construção de igualdade entre homens e mulheres dentro da cooperativa.
Para saber mais:
FREIRE, Paulo. Pedagogia del oprimido. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 1973. 243 p.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Tradução Rosisca Darcy de Oliveira. 7a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
GARCIA, Pedro Benjamim. Educação Popular: algumas reflexões em torno da questão do saber. In: Brandão, C.R. (org.). A Questão Política da Educação Popular. 4a edição. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984. p. 88-121.
ITCP/UNICAMP. Empírica: caderno de metodologia. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp,2009.
WIRTH, Ioli G.. Mulheres na triagem, homens na prensa: questões de gênero em cooperativas de catadores. 1. ed. São Paulo: Annablume, 2013. v. 1. 218p.